Quando escuto uma história de um pai, eu costumo ficar atento aos detalhes da narrativa. Não para julgar, mas sim para identificar as sutilezas, as nuances, as escolhas, o ordinário que torna esta experiência única.
Uma das coisas que me chama a atenção é a frase “Quando minha esposa engravidou…”.
É claro que não é intencional, geralmente está fazendo referência ao estado físico e biológico. Mas ela também pode carregar vários atributos inconscientes e estruturais.
Quando nós homens atribuímos a gravidez à mulher, estamos também atribuindo tudo que este estado carrega para ela. O fato da mulher ter sido escolhida para hospedar o bebê neste período é um mero detalhe. O que mais importa é todo o resto que o estado gestacional traz. E neste “todo resto”, o homem pode e deve entrar de cabeça.
Primeiramente, estamos falando em desenvolver empatia. A gestação é um turbilhão hormonal e emocional para a mulher. Se nós homens não nos interessarmos nesta descoberta, não teremos empatia. E sem empatia, não estaremos apto e ser o alicerce necessário. Precisamos estudar sobre isso, entender o que acontece no corpo da mulher, e a partir disso ir nos conectando mais profundamente com este novo sistema que surge.
Se interessar, abrir escuta, acolher as emoções. Desta maneira, você vai vivendo junto este processo, vai sentindo junto. A isso chamo de “engravidar junto”. Uma gestação saudável passa inevitavelmente por esta conexão e interesse profundos do pai.
Gravidez não é doença, mas é um contexto único que será mais saudável se você e sua parceira trabalharem em equipe.
Além da empatia, estamos também falando de cuidar. É fundamental que o homem cuide da mulher grávida, e consequentemente cuide de seu filho. Sim, os cuidados com a criança começam na gestação, a partir dos cuidados com a mãe.
Esta mãe precisa se alimentar adequadamente, se exercitar, trabalhar, manter as rotinas pré-natais, lidar com intemperes deste processo, lidar com as oscilações hormonais, com seus medos, com os julgamentos dos outros. É muita coisa ao mesmo tempo. E nós homens precisamos cuidar de perto.
Isto também é parte fundamental do “engravidar junto”. É zelar pela sua parceira, protegê-la.
Nós podemos cuidar da alimentação dela (e consequentemente do bebê), podemos também facilitar o caminho para que ela se mantenha ativa, podemos abrir escuta e compartilhar medos e receios sobre o bebê. E isso envolverá escolhas. Abrir mão de algumas coisas que fazia antes para dedicar este novo tempo a sua nova configuração familiar.
Se for uma gravidez de risco, ainda mais. Sua esposa precisará de cuidados. Seu filho precisará de cuidados. E isso lhe demandará tempo, paciência, empatia, escolhas.
Estamos falando também de conexão com o bebê. Inúmeros estudos aponta os benefícios da interação do pai com o bebê na barriga da mãe, tanto para o próprio bebê quando para a mulher:
. A criança de familiariza com a voz do pai, e isso lhe traz segurança;
. Há redução de riscos de prematuridade e outras restrições quando o homem participa ativamente das rotinas pré natais;
. Redução substancial em riscos de depressão pós parto para a mulher;
. A parceira tem mais confiança, sente menos dor e tem um puerpério mais saudável quando o homem está presente, informado e ativo.
. Tudo isso gera efeitos futuros em uma amamentação mais saudável, saúde mental nos primeiros meses e até impacto no comportamento na pré-adolescência.
Ali também inicia-se uma nova camada de sentimentos para o homem. Ao sentir o bebê se movimentar, ouvir os batimentos, o homem sente que a hora chegou. A voz, o cheiro e o toque do pai tornam-se pistas de segurança que, após o parto, facilitam transições (sono, troca de colo, banho) e liberam oxitocina tanto nele quanto no bebê.
A paternidade começa a se materializar. E temos a oportunidade de ressignificar muitas coisas em nossas vidas. Nossa história, nossas definições de sucesso, nossos valores, nossos sonhos, nosso discernimento. E quem sabe convergir tudo isso em novas escolhas.
Se conectar com o bebê na gestação já é assumir seu papel de pai presente, ativo e afetivo. Todos ganham com isso.
E finalmente, pensar um pouco mais adiante. A mãe geralmente verbaliza seus medos e receios, o homem não. Homem não pede ajuda, homem não se mostra inseguro.
Mas somos. Ninguém nasce pai, ninguém nasce mãe. Todos temos medo de não dar conta, de não saber o que fazer quando chegar em casa com o bebê no colo, de não saber criar e educar.
A mulher geralmente assume este papel de buscar conhecimento durante a gestação, rede de apoio, leituras, trocas de vivências. O homem não.
A criação de filhos em equipe já começa na gestação. Se interesse, busque junto com sua parceira conhecimento, alinhe valores da família, combinem o jogo. Aprendam juntos. Afinal, você também está grávido.
A paternidade começa muito antes do parto. Como já lemos por aqui, muito antes também da gravidez.
Mas é na gravidez que isto começa a se materializa e ganhar vida, literalmente.
O pai presente durante a gestação internaliza o lugar de cuidador, e a criança leva esse “mapa” de cooperação para suas próprias relações futuramente.
Quanto mais cedo o pai entra em cena, mais fácil se torna para o bebê perceber o mundo como um lugar seguro, para a mãe atravessar a gestação com saúde e para a família construir vínculos que ecoam pela vida inteira. O cuidado paterno não começa no colo: ele começa na barriga.
Participe das consultas, leia, cante, converse com seu filho. Seja um círculo de proteção para sua parceira. Filtre, organize o entorno, proteja. Estude junto, se prepare junto para o que virá.
Acho que a narrativa fica melhor quando escuto “Quando nós engravidamos…”. Porque na prática, é assim que deve ser.
Parabéns, você já é pai. O jogo já começou para você também.